
Este fim-de-semana, foi de festa em Matosinhos. Vinte anos parece muito tempo, mas para a maior parte dos matosinhenses, ainda está bem viva na memória a imagem de um majestoso edifício que nasceu paredes-meias com o Jardim Basílio Teles, quase como se fosse engolir o Palacete Visconde de Trevões. O edifício dos Paços do Concelho completou vinte anos desde o dia da sua inauguração, em 1987. E foram muitos os motivos para trazer aos Paços do Concelho centenas de convidados que se associaram a tão importante data para Matosinhos.
O concerto que Jorge Palma deu no Salão Nobre dos Paços do Concelho na noite de 7 de Dezembro, foi um momento inesquecível nesta data festiva. Intimista e arrebatador! Foram muitos os que juntaram a sua voz à do poeta-cantor, que com o seu timbre único e inimitável, cantou alguns dos grandes êxitos da sua longa carreira. A mais nobre sala dos Paços do Concelho tornou-se pequena para tanta gente!
A sessão solene que se realizou no dia 8 de Dezembro foi igualmente inesquecível. Após a inauguração de uma exposição do arquitecto, “Memórias de um Projecto”, Alcino Soutinho foi agraciado com a Medalha de Honra (de ouro) e o título de Cidadão honorário, num momento particularmente emotivo, durante o qual Alexandre Alves costa, arquitecto contemporâneo de Soutinho, também membro da chamada “Escola do Porto” e amigo do homenageado, desenhou, com as suas palavras sentidas, o percurso pela vida e obra de Alcino Soutinho. Outros amigos fizeram questão de estar presentes nesta cerimónia, como Álvaro Siza Vieira ou Eduardo Souto Moura.
O Presidente da Câmara, Dr. Guilherme Pinto, na sua intervenção, recordou que este edifício marcou de forma indelével uma página de ouro da história do Concelho. E que o projecto inicial ainda não está terminado, estando para breve a construção da peça que falta, também da autoria do Arqº Alcino Soutinho, o auditório municipal.
Para assinalar este vigésimo aniversário, foi também lançado um livro comemorativo com textos de Jorge Sampaio, do Presidente da Câmara, de Alcino Soutinho e do Vereador Fernando Rocha.
Ontem, dia 9 de Dezembro, realizou-se uma visita guiada ao edifício dos Paços do Concelho, pelo próprio arquitecto Alcino Soutinho. Acima de tudo, Soutinho recordou algumas das principais ideias inspiradoras do projecto, tais como o mar e a democracia. Recordou ainda que o projecto não foi de imediato consensual e bem recebido por todos, mas que também não foi gerador de repúdio e, com o tempo, afirmou-se como uma nova centralidade de Matosinhos.
Sobre esta obra emblemática da moderna arquitectura portuguesa, escreveu Alcino Soutinho no livro comemorativo:
“Em 1981, a propósito do projecto do edifício dos Paços do Concelho de Matosinhos e do conjunto de equipamentos culturais que o iria acompanhar – biblioteca, museu, teatro, auditório, etc. – defendi, então, no essencial, o ordenamento do quarteirão, em função do existente e do novo através de uma ideia que propunha a distribuição do programa por diversos edifícios independentes e tipologicamente bem caracterizados.
A aplicação deste conceito genérico encontrava a sua consequência prática mais expressiva numa estratégia que visava fundamentalmente:
Criar novos espaços e novos percursos geradores de uma nova utilização do quarteirão;
Evitar a massificação favorecendo a existência de espaços livres - assimilando árvores – e a sua relação com o interior dos edifícios públicos;
Integrar, sem enfatizar, o Palacete do Visconde de Trevões, fazendo-o participar com naturalidade no conjunto;
Aceitar a diversidade tipológica do quarteirão, dando-lhe continuidade organizada;
Admitir a construção faseada do conjunto.
Foram necessárias quase duas décadas para que se reunissem as condições necessárias à concretização da parte mais significativa do programa de 1981 e, se é verdade, como dizia Wittgenstein, que uma obra de arquitectura deve exprimir, sempre, um pensamento, a biblioteca Florbela Espanca e a Galeria de Exposições configuram, apesar da acção do tempo, as reflexões produzidas aquando do Concurso de Ideias para o edifício dos Paços do Concelho.
Representam a imagem de um pensamento, ainda como referia Wittgenstein, “acompanhado de um gesto” fixado em pedra, traduzido na construção de um edifício que repropõe a questão decisiva e antiga dos fundamentos conceptuais da arquitectura como base ou ponto de partida para pôr em causa velhos e novos formalismos, concessões utilitárias e mitos tecnológicos.
Uma biblioteca como edifício público é um facto proeminente na cidade, uma construção a que a história e os eventos atribuirão significados particulares nos quais a colectividade acabará por se reconhecer. Isto explica porque determinados edifícios regressam continuamente não como elementos de uma galeria abstracta ou de uma história académica mas como materiais de projecto, formas que continuam a propor-se à reflexão e à reelaboração, ligadas a um processo que lentamente vai aperfeiçoando o uso do edifício, sem contudo o reduzir a formula ou mecanismo para resolver problemas.
A Biblioteca Florbela Espanca encontra-se em pleno percurso na concretização deste conceito.”
Algumas citações do livro “Paços do Concelho”
JORGE SAMPAIO: « …o edifício dos Paços do Concelho de Matosinhos foi sempre, para mim, uma forma de renovar a esperança, de acreditar que a transparência é possível, que o espaço público e comunitário pode ser apropriável por nós, que a arquitectura a sério e com dimensão humana, estética e cultural pode – e é – um poderoso e incontornável acto de cidadania e de participação democrática»
GUILHERME PINTO, Presidente da Câmara: «…este imóvel veio, de resto, alicerçar-se como uma das pedras de toque de uma das estratégias que a autarquia desenvolveria em torna da afirmação, identidade e de desenvolvimento da cidade: a da profunda cumplicidade deste território com a arquitectura contemporânea, que emerge entre nós em meados da década de 60 e que, desde então, se vem prolongando e acentuando até aos nossos dias, dando origem a um dos slogans que nos é mais querido – Matosinhos, Terra de Arquitectos……este edifício não era – não é – alheio aos ideais de Liberdade e de Democracia resultantes da Revolução de Abril. Bem pelo contrário. O simbolismo e o espírito do novo regime, e muito especialmente o do Poder Local Livre, transparente, assente na comunidade e próximo das populações, está plasmado de um modo magistral neste imóvel….os Paços do Concelho de Matosinhos estruturaram de algum modo a cidade, este edifício teve também profundas implicações urbanísticas, criando um novo eixo de serviços e uma nova centralidade em Matosinhos»
ALCINO SOUTINHO: « …um projecto que visava essencialmente criar novos espaços e novos percursos geradores de uma nova utilização do quarteirão – evitar a massificação favorecendo a existência de espaços livres, assimilando árvores e a sua relação com o interior dos edifícios públicos - integrar, sem enfatizar – o Palacete do Visconde de Trevões, fazendo-o participar com naturalidade no conjunto – aceitar a diversidade tipológica do quarteirão, dando-lhe continuidade organizada –admitir a construção faseada do conjunto…«
FERNANDO ROCHA, vereador da Cultura : «…foi já considerado um autentico monumento ao poder de decisão que as comunidades passaram a ter através das suas autarquias Locais. A dignidade e qualidade do imóvel, a sua transparência, a fácil acessibilidade aos locais de deliberação, a inexistência de paredes na sala de sessões, o destaque à criatividade, a presença de obras de alguns dos mais conceituados artistas plásticos nacionais, tudo isso, contribui para a excelência e singularidade deste monumento…»