
Sexta-feira, 6 de Julho: Cortejo e enforcamento do liberal Brito e Cunha – dos Paços do Concelho ao Largo do Ribeirinho, Matosinhos
O início do século XIX em Portugal é um período de profundas e dramáticas transformações políticas e sociais. E uma longa e sangrenta guerra civil vai mesmo dividir um País em crise que acabava de perder o seu território mais significativo: o Brasil.
Aparentemente este conflito tem origem numa luta pela sucessão ao trono entre os dois filhos do falecido Rei João VI: D. Pedro e D. Miguel. Mas só aparentemente! De facto, em volta de tais pretendentes expressavam-se duas concepções ideológicas antagónicas. Por um lado havia o “Portugal Antigo” que acreditavam na Ordem estabelecida, através da aliança entre o “Trono e o Altar”, ou seja entre o Rei absoluto e a Igreja Católica. De acordo com os partidários do absolutismo a soberania do Rei era-lhe concedida directamente por Deus, pelo que as suas decisões eram inquestionáveis pelos súbditos. Esta concepção ideológica valorizava assim a Ordem, a Autoridade, a Hierarquia e a Tradição, que asseguravam a manutenção do poder e privilégios dos grupos sociais dominantes: o Clero e a Nobreza. Este grupo apoiava as pretensões de D. Miguel I
Mas nesta altura emergia também, por toda a Europa e também em Portugal, uma nova concepção ideológica que dizia que a soberania política reside no Povo e que este a outorga ao Rei mediante um contrato: a Constituição. Esta nova concepção valorizava a Liberdade Individual, em particular a Liberdade Religiosa e a Igualdade perante a Lei. Os defensores desta concepção, em grande parte inspirada nos ideais da Revolução Francesa, agrupavam-se em redor de D. Pedro.
Nesta época, o “Antigo Regime”, assente na aliança entre a monarquia absoluta, os grupos sociais privilegiados e a “religião de estado” começava a entrar em colapso. As novas dinâmicas sociais e políticas, resultantes dos movimentos revolucionários europeus e na América Latina, assim como a independência do Brasil começam progressivamente a ter influência em Portugal. Para os defensores do Absolutismo e da Sociedade Tradicional isto era um factor de desordem e caos contra o qual só se poderia lutar utilizando o Cacete e a Forca.
A Revolução de 24 de Agosto de 1820, numa altura em que a Família Real se encontrava no Brasil, foi uma primeira tentativa de implantar em Portugal um regime de tipo Constitucional e que conduziu à elaboração da primeira Constituição portuguesa.
Em 1821 o Rei D. João VI, juntamente com a Rainha D. Carlota Joaquina, o Infante D. Miguel e o resto da Corte regressa a Lisboa, deixando o Infante D. Pedro como Regente do Brasil. O rei D. João VI procura, desde o início, seguir uma política de conciliação entre as duas facções em confronto, aceitando jurar nova Constituição. Ao mesmo tempo a Rainha D. Carlota Joaquina começa a incentivar activamente as intrigas e conspirações contra-revolucionárias que visavam a restauração do regime absolutista. Para atingir esse objectivo a facção contra-revolucionária, comandada pela Rainha olha para o Infante D. Miguel como o líder ideal para o regresso ao absolutismo. Ao mesmo tempo, no Brasil, o Infante D. Pedro proclamava a sua independência e definitiva separação do Reino de Portugal, sendo aclamado como Imperador do Brasil com o título de D. Pedro I.
As discórdias nacionais entre defensores da Constituição e partidários do Absolutismo ecoam também no ambiente doméstico da família real., apesar da política de apaziguamento e conciliação que o Rei procurou empreender. Desagradado dos vários golpes contra-revolucionários protagonizados pelo Infante D. Miguel, o Rei manda-o para o exílio na Áustria.
Em Março de 1826 morre D. João VI, após uma doença misteriosa. Pelo reino corre o boato de que terá sido envenenado, apontando alguns a Rainha D. Carlota Joaquina como a principal conspiradora para eliminar um Rei que se tinha tornado um obstáculo para a restauração do absolutismo.
A morte de D. João VI abre uma grave crise na sucessão ao trono de Portugal. Quem deverá ser o próximo Rei? Os liberais apontam que D. Pedro, agora Imperador do Brasil, é o filho mais velho e por isso cabe-lhe o direito de sucessão. Os partidários do absolutismo, liderados pela Rainha D. Carlota Joaquina, argumentam que D. Pedro quando proclamou a independência do Brasil renunciou a ser português e perdeu os direitos sucessórios. Na sua opinião o sucessor deveria ser D. Miguel.
Procura-se nova solução de compromisso entre as duas facções. Segundo este projecto D. Pedro outorgaria aos portugueses uma Carta Constitucional e nomearia como Regente o Infante D. Miguel. Abdicaria também dos direitos ao trono, em favor da sua filha D. Maria Glória, que apenas tinha na altura oito anos de idade, prometendo o seu casamento com o tio, D. Miguel, quando atingisse a maioridade.
D. Miguel começa por aceitar esta proposta. Jura cumprir a Carta Constitucional, fica noivo da sobrinha e, em Fevereiro de 1828, regressa a Lisboa. Mas, apenas um mês depois do seu regresso dá-se uma nova reviravolta política. D. Miguel rasga todos os seus juramentos e compromissos anteriores e dissolve a Câmara dos Deputados. Convoca as Cortes à maneira antiga e faz-se aclamar como Rei Absoluto de Portugal. É o júbilo entre os absolutistas e a revolta entre os liberais. A violência política está ao rubro e o país caminha para a guerra civil. Os absolutistas pedem a forca para os “inimigos” do Trono.
A cidade do Porto é a primeira a revoltar-se, a 16 de Maio de 1828, secundada pela cidade de Aveiro e por outras povoações do Reino. Forma-se uma Junta Revolucionária e um Batalhão de Voluntários de D. Pedro IV. Ao tomar conhecimento da revolta os líderes liberais no exílio vêm no navio “Belfast” para o Porto para comandar a revolução. No entanto a fraqueza da liderança e as dissensões internas levam à derrota militar da Junta do Porto e à fuga precipitada dos líderes da revolução.
Os anos que se seguem e que vão ficar conhecidos como o período do “terror miguelista” são de intensa repressão sobre todos os que são suspeitos de ter simpatia para com a causa de D. Pedro. Forma-se um tribunal especial para perseguir e punir os simpatizantes das doutrinas liberais, Redes de informadores avisam a polícia sobre o que se fala nas ruas e nas lojas, denunciando os que dizem frases subversivas. Milhares de pessoas são presas, muitas vezes sem qualquer acusação, ficando anos na cadeia até serem ouvidas. Na Praça Nova do Porto enforcam-se doze pessoas, tidas como cabecilhas da revolução, sendo um deles o senhor da Casa do Ribeirinho António Bernardo Brito e Cunha, enquanto outros eram publicamente açoitados pelas ruas da cidade.
Outros dias, de esperança e liberdade, seguir-se-iam. Nomeadamente em 1832. Como evocaremos, amanhã à noite, na Praia da memória, ao reconstituirmos o Desembarque do exército liberal: os Bravos de D. Pedro IV).
Sábado, 7 de Julho: Desembarque de D. Pedro IV e seu Exército. Combate e marchas militares – Praia da Memória, Perafita / Lavra
Entre 1828 e 1832 o rei D. Miguel I, absolutista, governa em Portugal, de um modo ditatorial e persecutório. Tendo aceite, inicialmente, ser apenas um rei-regente, enquanto a sua sobrinha, D. Maria, filha do seu irmão mais velho, D. Pedro, que havia abdicado da coroa portuguesa para ser o 1º Imperador do Brasil, não atingisse a maioridade, D. Miguel havia rompido tal promessa e instalara-se, absoluto, no trono do reino.
Entre os liberais no exílio cresce a convicção de que só com uma intervenção militar comandada por D. Pedro seria possível modificar a situação política no país. Neste contexto D. Pedro abdica do Trono do Brasil e viaja para a Europa para aí formar um exército que permitisse recolocar no Trono de Portugal a sua filha D. Maria da Glória. Em Inglaterra forma um pequeno exército composto por emigrados portugueses e mercenários estrangeiros. Com este exército começa por conquistar fortes posições militares nos Açores e a partir daí lançam uma expedição militar em direcção ao Continente.
Dadas as tradições liberais e revolucionárias do Porto, onde D. Pedro sabia que encontraria apoios e aliados, a armada dirige-se o mais próximo possível da cidade. Falhadas as negociações para um desembarque em Vila do Conde, uma vez que as tropas aí sedeadas se manifestam fieis a D. Miguel, D. Pedro ruma então mais para sul para proceder a um desembarque em pleno areal. Estamos, contudo, em plena costa negra. Uma costa muito rochosa e traiçoeira, responsável por inúmeros naufrágios ao longo dos séculos. Entre o Porto e Vila do Conde são, com efeito, muito poucas as praias ou areais que permitiriam um desembarque deste tipo. Apenas em Matosinhos e Leça (mas estas estavam debaixo do fogo dos Castelos do Queijo e de Nª Srª das Neves, em Leça), ou no Mindelo. E é para aí que, efectivamente, a armada se dirige.
Só que a bordo das embarcações vinham alguns naturais da região que chamaram a atenção para o facto de mais A SUL DO Mindelo, e, portanto, mais próximo do Porto, existia, embora algo escondido e esquecido, uma outra praia onde seria possível desembarcar.
E é assim que , a 8 de Julho de 1832, este exército, composto por 7500 soldados e que ficará conhecido com o título de “Exército Libertador”, desembarca na praia de Arenosa do Pampelido.
8 anos depois do Desembarque, após a vitória definitiva dos Liberais e tendo morrido já D. Pedro, no dia 8 de Dezembro de 1840, a rainha D. Maria da Glória, filha de D. Pedro, desloca-se a este local para homenagear o pai e todo o “Exército Libertador”. Nesse dia lança, neste sítio, a primeira pedra de um monumento, um obelisco, que perpetuará o Desembarque e que passará a ser uma Memória da importância do que aqui aconteceu em 8 de Julho de 1832. E é devido a esse obelisco à Memória do Desembarque que esta praia se passou a designar como “Praia da Memória”.
Domingo, 8 de Julho: Acampamento militar e feira do séc. XIX – Largo do Souto, Custóias
Com o Desembarque do “Exército Libertador”, em 8 de Julho de 1832, iniciava-se uma longa e sangrenta Guerra Civil que iria abalar profundamente o país.
Mas nesse dia 8, e no seguinte, praticamente não se disparou um tiro. A caminho do Porto, D. Pedro passou pelo largo de Custóias onde, segundo a tradição, terá sido muito saudado. Nessa noite o exército montaria acampamento no largo do Carvalhido (que por isso se passou a designar Praça do Exército Libertador) e, a 9 de Julho (daí também o nome dessa rua), entrou na cidade do Porto da qual havia fugido o exército absolutista. O Exército Libertador entra, assim, na cidade, em dar um tiro, e com a ponta das espingardas enfeitadas com hortênsias, brancas e azuis, as cores de d. Pedro e da família real
Mas, depois deste breve instante de festa, os primeiros momentos foram críticos para o exército de D. Pedro, cercado durante um ano e meio na cidade do Porto – o famoso “Cerco do Porto”. No entanto a abertura de novas frentes de guerra no Sul permitiu ao seu exército romper o cerco e inflingir uma série de derrotas militares às tropas miguelistas.
Em 1834 assina-se o armistício entre os dois exércitos. D. Miguel reconhecendo a derrota parte para o exílio e D. Maria da Glória, então apenas com 15 anos de idade é aclamada como Rainha de Portugal com o título de D. Maria II. D. Pedro morrerá alguns meses depois vítima de tuberculose. O novo regime saído do conflito irá proceder a profundas alterações da estrutura social, política e económica do país. Começava então um novo Portugal…