
Inserido no programa cultural “Música em Matosinhos”, o Cine-Teatro Constantino Nery – Teatro Municipal acolheu no passado dia 13 de Fevereiro, pelas 21h30, um concerto musical pelo Conjunto Instrumental de Cordas da Orquestra Nacional do Porto e os solistas António Rosado (piano), Maria José Souza Guedes (piano) e Luís Meireles (flauta), sob a direcção do Maestro Andrew Grams.
Orquestra Nacional do Porto
A Orquestra Nacional do Porto (ONP) foi criada em 1997 e realizou o seu concerto de estreia como formação sinfónica no dia 1 de Outubro de 2000. Desde então engloba um número permanente de 94 instrumentistas, o que lhe permite executar todo o grande repertório sinfónico desde o Classicismo ao Século XXI.
A sua origem remonta a 1947, ano em que foi constituída a Orquestra Sinfónica do Conservatório de Música do Porto, mais tarde integrada na Emissora Nacional e, subsequentemente, na Radiodifusão Portuguesa. Em 1989, no âmbito da “Régie Cooperativa Sinfonia”, surgiu a Orquestra do Porto com um grupo de 52 instrumentistas permanentes que viria a dar lugar à Orquestra Clássica do Porto. A partir de 1997, a ONP teve a sua sede no Mosteiro de São Bento da Vitória. Passou a residir na Casa da Música desde a sua inauguração, em Abril de 2005, e é parte integrante da Fundação Casa da Música desde Julho de 2006.
Na temporada de 2008, a ONP deu particular destaque à música dos países nórdicos. Ao longo do ano estrearam-se na sua direcção os maestros Emilio Pomàrico, Cristian Orosanu, John Storgards, Hannu Lintu, Christopher Seaman, Alexander Shelley, Rolf Gupta e Eivind Gullberg Jensen. Entre os solistas convidados estiveram Sequeira Costa, interpretando dois concertos de Beethoven e os dois concertos de Chopin, Viviane Hagner, Pekka Kuusisto, que estreou em Portugal o Concerto para violino de Magnus Lindberg, Christian Lindberg, Truls Mork e Ana Bela Chaves, entre outros. De salientar foi também a presença da voz de Judy Garland num concerto especial com projecção do filme O Feiticeiro de Oz, um improvável regresso agora possibilitado pelas mais recentes tecnologias. O ano de 2008 fica também marcado pela estreia do projecto “ONP vai à escola”, que se estende por este ano e leva a orquestra a várias escolas da região.
Em 2009 o país tema da programação da Casa da Música é o Brasil. Assim, a ONP convida os maestros brasileiros Alex Klein, Lavard Skou-Larsen e Roberto Tibiriçá e o violoncelista António Meneses em programas onde os grandes compositores do Brasil estão em destaque. O segundo ano do Perfil Sequeira Costa traz a oportunidade para ouvir o pianista interpretar oito obras do repertório concertante em quatro concertos consecutivos ao lado da Orquestra Nacional do Porto e com a direcção de dois prestigiados maestros: Rudolf Barshai e Jean-Pierre Wallez. Assinala-se ainda a estreia dos maestros Dmitri Liss, Ralph Lange, Gerard Schwarz, Klaus Weise, Danail Rachev e Vasily Petrenko, e a participação dos solistas Hakan Hardenberger, Andreas Haeflinger, Boris Berezovski, Gerardo Ribeiro e Marc-André Hamelin. A música de Haydn é a presença forte ao longo do ano, assinalando o bicentenário da sua morte com a apresentação de dez sinfonias. O ciclo Fora de Série leva a ONP para universos menos convencionais, como o jazz, ao lado de Egberto Gismonti, e o hip hop, com o produtor alemão Miki e rappers convidados. Em Maio de 2009 a Orquestra Nacional do Porto faz uma digressão pelo Algarve.
No âmbito da música contemporânea as atenções voltam-se para a estreia nacional de Gruppen de Stockhausen, com a direcção de três maestros em simultâneo, bem como para a estreia de obras do Compositor em Residência, Jonathan Harvey, e do Jovem Compositor em Residência, Daniel Moreira.
Christoph König é o maestro titular da Orquestra Nacional do Porto.
Andrew Grams
Actualmente é Maestro residente da Orquestra da Florida para esta época, sendo responsável pela totalidade dos concertos em cafés-concerto, escolas, parques e outros espaços comunitários.
Completou também recentemente o terceiro ano de maestro assistente da Orquestra de Cleveland / Liga de Orquestras Sinfónicas Americanas por indicação de Franz Welser-Möst, desde Junho de 2004.
Como Maestro convidado, fez o seu primeiro aparecimento com a Orquestra Sinfónica de Dallas e a Orquestra Sinfónica de Charlotte. Também trabalhou com as Orquestras Sinfónicas destacando-se as de Saint Louis, de Indianapolis, de Forth Worth, de Phoenix, de Delaware, de Jacksonville, de Curtis e a Orquestra de Sinfónica do Instituto de Música de Cleveland.
António Rosado
Dele disse a revista francesa Diapason que é um “intérprete que domina o que faz. Tem tanto de emoção e de poesia, como de cor e de bom gosto.”
António Rosado tem uma carreira reconhecida nacional e internacionalmente, corolário do seu talento e do gosto pela diversidade, expressos num extenso repertório penístico que integra obras de compositores tão diferentes como Georges Gershwin, Aaron Copland, Albéniz ou Liszt. Esta versatilidade permitiu-lhe apresentar, pela primeira vez em Portugal, destacadas obras como as Sonatas de Enescu ou paráfrases de Liszt, sendo o primeiro pianista português a realizar as integrais dos Prelúdios e também dos Estudos de Claude Debussy. No registo dos recitais pode incluir-se também a interpretação da integral das sonatas de Mozart.
Actuou em palco, pela primeira vez, aos quatro anos de idade. Os estudos musicais iniciados com o pai tiveram continuidade no Conservatório Nacional de Música de Lisboa, onde terminou o curso Superior de Piano, com vinte valores. Aos dezasseis anos parte para Paris, e aí vem a ser discípulo de Aldo Ciccolini no Conservatório Superior de Música e nos cursos de aperfeiçoamento em Siena e Biella (Itália).
Em 1980, estreou-se em concerto com a Orchestre National de Toulouse, sob a direcção de Michel Plasson e desde essa data tem tocado com inúmeras orquestras internacionais e notáveis maestros como:Georg Alexander Alberbretch, Moshe Atzmon, Franco Caracciolo, Pierre Dervaux, Arthur Fagen, Léon Fleischer, Silva Pereira, Claudio Scimone, David Stahl, Marc Tardue e Ronald Zollman.
Também na música de câmara tem actuado com prestigiados músicos como Aldo Ciccolini, Maurice Gendron, Margarita Zimermann, Gerardo Ribeiro ou Paulo Gaio Lima, com o qual apresentou a integral da obra de Beethoven para violoncelo e piano.
Laureado pela Academia Internacional Maurice Ravel e pela Academia Internacional Perosi, António Rosado foi distinguido pelo Concurso Internacional Vianna da Motta e pelo Concurso Internacional Alfredo Casella de Nápoles. Estes prémios constituem o reconhecimento internacional do seu virtuosismo e o impulso para uma brilhante carreira, com a realização de recitais e concertos por todo o Mundo, e a participação em diversos festivais. Na década de 90, foi o pianista escolhido pela TF1 para a gravação e transmissão de três programas – música espanhola e portuguesa, Liszt e, por fim, um recital preenchido com Beethoven, Prokofiev, Wagner-Liszt. Em 2007, a França nomeia-o Chevalier des Arts et des Lettres.
O seu primeiro disco gravado na década de 80, em Paris, é dedicado a Enescu. Outros discos se seguiram, nomeadamente: as obras para piano de Vianna da Motta; um CD comemorativo dos 150 anos da passagem de Liszt por Lisboa; a Fantasia de Schumann e a Sonata de Liszt. Com o violinista Gerardo Ribeiro gravou as Sonatas para piano e violino de Brahms e com o pianista Artur Pizarro, um disco intitulado Mozart in Norway. Com a NDR Sinfonie-orchestra de Hamburgo, gravou o Concerto nº2 e Rapsódia sobre um tema de Paganini de Rachmaninov. Recentemente, gravou os dois Concertos de Brahms com a Orquestra Nacional do Porto. Em 2004 gravou a integral das Sonatas para piano de Fernando Lopes Graça, em 2006 as oito suites “In Memoriam Bela Bartók” do mesmo compositor e mais recentemente os Prelúdios de Armando José Fernandes e Luís de Freitas Branco.
Maria José Souza Guedes
Nascida no Porto, Maria José Souza Guedes foi discípula de Ernestina Silva Monteiro e Fernanda Wandschneider, tendo concluído os seus estudos no Curso Silva Monteiro e no Conservatório do Porto com a classificação máxima. Aperfeiçoou-se posteriormente sob a direcção de Hans Graf e Sequeira Costa, tendo ainda sido aconselhada musicalmente por Vlado Perlemuter, Jorg Demus, Artur Pizarro e Maria João Pires, entre outros.
Obteve o 1º Prémio no Concurso “Varella Cid” assim como a Medalha de Ouro Silva Monteiro.
Tem, como pianista, uma carreira internacional consolidada, com mais de 350 concertos realizados a solo, em música de câmara, em importantes auditórios e festivais de 18 países europeus.
Foi solista das Orquestras Sinfónicas do Porto e de Lisboa, da Orquestra Sinfónica de Szczecin, da Orquestra de Câmara da Silésia e da Orquestra de Câmara Nacional do Cazaquistão.
Gravou 6 CD’s, três a solo e três em duo com Luís Meireles, tendo ainda protagonizado gravações ao vivo para a RDP e RTP (Portugal), RTVE (Espanha), Televisão da Macedónia (Grécia) e Rádio Bartók (Hungria).
Integrou no júri do Quarto Concurso Internacional “Carlo Soliva” (Itália, 1990), do XVII Concurso Maria Cristina Lino Pimentel (Torres Vedras, 2003), do III Concurso Internacional “Gnessin” (Moscovo, 2003) e do IV Concurso Internacional Inter-Fest Bitola (Macedónia, 2004).
Professora no conservatório do Porto desde 1982, vários dos seus alunos têm sido regularmente premiados em concursos nacionais e internacionais.
Luís Meireles
Flautista, com mais de 300 concertos realizados como solista ou em música de câmara, Luís Meireles tem desenvolvido uma consistente carreira internacional, tocando em importantes salas e festivais em mais de 20 países, onde se incluem Portugal, Espanha, Itália, Grã-Bretanha, França , Suíça, Bélgica, Suécia, Alemanha, Polónia, Roménia, Grécia, Eslováquia, Hungria, Finlândia, República Checa, Áustria, Rússia, Macedónia e Cazaquistão.
A sua formação começou no Conservatório do Porto – onde lecciona- prosseguindo os estudos em Madrid (Andrés Carreres), Bruxelas (Michel Lefebre e Roland van der Bergen) e Paris, onde trabalhou 9 anos sob orientação de Christian Cheret, Vicenz Prats e Jean Ferrandis, tendo obtido os seus Diplomas Superiores em Flauta, Pedagogia e Música de Câmara na École Normale de Musique e o Diploma de 3º Ciclo em Música de Câmara no Conservatório Municipal.
Toca com a pianista Maria José Souza Guedes, com vários outros artistas de renome, em música de câmara, e como solista de orquestras como a Orquestra Sinfónica do Porto (RDP), Orquestra Sinfónica de Szczecin, a Macedonian Philarmonic, a Orquestra Nacional do Cazaquistão, Orquestra de Câmara da Silésia e a Orquestra de Câmara E Clássica de Bratislava, sob a orientação de maestros como Günter Arglebe, Ivo Cruz, Zarco Princic, Jan Wincent Havel e Ernest Hoetzel, entre outros.
Gravou 5 CD’s, muito bem recebidos pela crítica e fez a estreia de numerosas obras para flauta, de reconhecidos compositores, muitsa delas a si dedicadas.
Orientou masterclasses como professor convidado de muitas instituições prestigiadas como a Academia Listz de Debrecen (Hungria), Academia College do Conservatório Tchaikovsky (Moscovo), Academia Nacional de Música do Cazaquistão, Conservatório Darius Lilhaud (Paris), Inter-Fest Bitola (Sardanha), Tessalónica (Grécia), Kielce (Polónia), Cursos Internacionais do Porto e de Guimarães, etc., tendo também integrado o júri de grandes competições internacionais como o “Shabyt” Astana 2005.
Luís Meireles toca em flautas de madeira, manufacturadas para si pelo conceituado construtor Anton Braun.
Com a colaboração da Casa da Música, o concerto teve o seguinte programa:
- Cláudio Carneyro (1895-1963)
Memento, para orq. de cordas (1933)
Composto em 1933”para dilatar a memória na saudade de alguém ausente” e executado, pela primeira vez, nesse mesmo ano, sob a direcção de René Bohet, “Memento” é um espelho anémico do próprio compositor, o clima predominante é o de uma angústia reprimida, que se mantém durante quase toda a obra. A escrita é tonal, ainda que fortemente cromática, de carácter hamónico, com alguns laivos polifónicos. Uma célula ritmico-melódica perpassa insistentemente ao longo do trecho, apenas com duas breves interrupções, a segunda das quais, muito perto do fim, é como um passageiro mas intenso extravasamento, em andamento vivo, de inquietação acumulada. Em post-scriptum, na partitura, Cláudio Carneyro define a passagem com as palavras: “esta coda é como um redemoinho satâtico…”
Filipe Pires,
Introdução à Obra de Cláudio Carneyro
- Armando José Fernandes (1906-1983)
Concerto em Si bemol Maior, para piano e orq. de cordas (1951)
Armando José Fernandes, com Fernando Lopes-Graça e Jorge Croner de Vasconcellos, um grupo de compositores que contribuiu, cada um à sua maneira, para uma continuidade da música portuguesa, seguindo-se a Luís de Freitas Branco e Frederico da Freitas.
Em 1934, termina a aprendizagem académica no Conservatório Nacional de Música, Lisboa e, em 1934/37, trabalha em Paris com Nadia Boulanger, Alfred Cartot, Paul Dukas e Igor Strawinsky. Foi professor de composição de 1958 a 1976.
Armando José Fernandes trabalha lentamente, sem pressas e, assim, vai surgindo um conjunto de obras que se afirma no meio musical, revelando uma personalidade com alta estética própria, no piano, na música para orquestra com ou sem solistas e na música de câmara.
É um compositor neoclássico: a sua linguagem situa-se no mundo da tonalidade. As experiências vanguardistas não o seduzem: durante o vendaval serialista, Armando José Fernandes resiste – segue uma tradição que é a sua própria interioridade.
Pareceu-se que o nosso autor é uma espécia de Samuel Barber à portuguesa. Tudo é trabalho com esmero, traduzindo um conhecimento profundo do ofício, numa visão que se inclina para a lata expressividade, intensamente lírica, sendo o Concerto em Si bemol Maior um dos exemplos mais significativos.
O centro da peça é o 3º andamento, Andante com moto, andante lento da mais fina expressividade poética, entrando no domínio da música de câmara.
MDF
- Fernando C. Lapa (1950)
Concerto para flauta, piano e orq. de cordas (2001-2002)
Construído a partir da elementar antinomia noite-dia – de alguma forma ilustrando um belo poema de Jacques Prévert que esteve por detrás da composição desta obra – este concerto é um lugar plural, onde se cruzam diversas experiências, escrita e estéticas, numa preocupação de integração e de síntese. É construído por dois andamentos de características radicalmente opostas, construídos a partir do diverso protagonismo de cada um dos instrumentos solistas.
No primeiro, de carácter mais contido e expressivo, a flauta assume o comando das operações, propondo sucessivos ambientes de escrita despojada e singela, onde a cor harmónica e a textura adquirem um papel predominante. Nele se incluem diversos elementos que acusam velhas reminiscências do jogo menor – maior, bem como ambientes melódicos próximos do “blue”, com destaque ainda para a citação de uma bela melodia tradicional portuguesa.
O segundo andamento tem características quase opostas, predominando um gesto extrovertido e aberto, de escrita mais acentuadamente virtuosista. O ritmo e a articulação desempenham aqui um papel central. Mais centrado agora no piano, o qual marca desde a sua entrada a solo o diverso carácter deste andamento, nele assume papel particular aquela de “ritornello” com orquestra de cordas vai pontuando todo o desenrolar dos acontecimentos.
O concerto foi composto entre Outubro de 2001 e Fevereiro de 2002, para Maria José Souza Guedes e Luís Meireles, a quem é justamente dedicado.
Fernando C. Lapa
